Dia das Namoradas

*Chico Fonseca

Era véspera do Dia dos Namorados. O outono brindava o Rio de Janeiro com uma tarde ensolarada e de temperatura amena. Num passeio em família, estávamos entrando em um shopping, quando minha neta mais velha, então com oito anos, observou duas adolescentes de mãos dadas, em discreta atitude de namoro. Admirada, puxou a mão da mãe e perguntou:

– Mamãe, duas meninas namorando! Pode?

– Pode, filha, algumas pessoas preferem.

Resposta simples, sincera e suficiente, dada com a naturalidade que o assunto deve ser tratado. Afinal de contas, a homoafetividade é uma manifestação natural e normal da sexualidade e do sentimento humano.

Pensei em quantas crianças ficariam sem resposta, ou obteriam uma resposta constrangida, ambígua, de quem mais desconversa do que explica. Talvez até na tentativa de convencê-las de que haviam se enganado, apesar de todas as evidências de que era aquilo mesmo: uma manifestação de carinho entre duas pessoas do mesmo sexo.

Percebo que a minha neta, hoje, encara com naturalidade essa questão. E isso não fará com que ela se torne homossexual, nem deixe de ser, se essa for sua natureza. Ela simplesmente respeita e acolhe. Aceita com empatia e até fica zangada quando percebe alguma atitude preconceituosa em relação a alguma amiga.

Por que esse assunto ainda incomoda tanto? Por que ainda tendemos a achar que a atração física só pode acontecer entre gêneros opostos, se a realidade nos mostra que não é bem assim? Se a mente humana é tão rica e diversificada em tantos outros aspectos, por que haveria de ter apenas uma única forma de manifestar a sexualidade e o afeto?

Como disse o Dr. Drauzio Varella na televisão: Se você se sente incomodado com a sexualidade do seu vizinho ou do seu colega de trabalho, quem precisa de tratamento é você.

A aceitação natural da diversidade, tanto sexual quanto racial, é avanço civilizatório. E diz respeito a todos nós.

Nestes tempos de intolerância, em que algumas pessoas retrógradas ainda se sentem incomodadas com as diferenças da natureza humana ou com essas manifestações de carinho, é hora de marcar posição.

Meninas e meninos, neste Dia dos Namorados venham pra rua em bandos e em paz. Ocupem as ruas, as praças, os shoppings. Vocês não precisam de faixas nem de cartazes. Basta virem de mãos dadas. Algumas pessoas ainda vão torcer o nariz ou olhar para vocês com ares de reprovação. Não tem problema, com o tempo elas se acostumam.

Que cada gesto de carinho entre vocês seja uma sementinha de tolerância plantada no coração das pessoas.

Venham mostrar para o mundo que AMOR É AMOR. E que lugar de namoro, de demonstrar afeto, é onde vocês quiserem. 

*Chico Fonseca é autor do livro Amores, Marias, Marés,
vencedor do concurso literário “Escritores Admiráveis”, publicado pela Editora Jangada.
O romance narra a história de amor entre duas jovens na cidade de São Luís dos anos 60.
A tolerância, tanto de diversidade sexual quanto racial é um processo, uma construção. Nessa construção,
o romance pretende ser mais um tijolinho.

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