Ada Lovelace e 42 São Paulo: a presença feminina nas ciências exatas
Por Mariana Marcílio
Criadora do primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina, Ada Lovelace foi a primeira programadora da história. Essa moça nasceu no século 19, filha do poeta Lord Byron e de Anne, uma matemática que fez questão de incutir na pequena condessa o amor pela ciência. Conhecida como uma das primeiras nerds da história, Ada é admirADA (com perdão do trocadilho) por milhares de pessoas ao redor do mundo por abrir caminhos para a participação feminina na área de tecnologia. A devoção é tanta que foi criado o Ada Lovelace Day – que acontece toda segunda terça-feira do mês de outubro e tem o intuito de relembrar a contribuição dessa nobre inglesa e celebrar os feitos da mulherada na Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Entretanto, a despeito do pioneirismo de uma mulher vitoriana e da inspiração para tantas gerações, vemos que séculos depois a área tecnológica não prima pela presença das mulheres. Por que será, hein?!
Vamos especular. A evasão escolar pode ser um dos motivos, embora existam muitos outros nessa equação. Um estudo da Fundação ABRINQ mostra que quase 30% das mães adolescentes – com até 19 anos – não concluíram o ensino fundamental, ou seja, têm menos de sete anos de estudo. No Norte e Nordeste esse percentual sobe para 35%, sendo a gravidez precoce um fator para manter as garotas fora das salas de aula. Se para uma menina que está dentro da escola é difícil sonhar em ser uma cientista, imagina entre as garotas que estão em casa, lidando com fraldas antes do tempo certo?
A desigualdade de gênero no ambiente escolar é uma realidade dura de engolir. Mapeamento compilado pelo Instituto Unibanco comprovou que o desempenho decrescente das meninas em matemática gera menor inserção feminina nas carreiras de exatas. Esse fato faz com que elas sejam minoria em campos profissionais mais bem remunerados como Engenharia e Tecnologia da Informação. Os meninos – brancos e negros – têm um desempenho médio de 41,8 pontos superior ao das garotas na disciplina de Matemática, no ENEM. Em Ciências da Natureza (Física, Química e Biologia), a diferença é de 24,3 pontos. Esses resultados mostram o quanto estamos, como sociedade, falhando miseravelmente com as mulheres; revelam o quanto estamos perdendo em não promover a diversidade de gênero.
Um dos meus propósitos pessoais, sobretudo na 42 São Paulo, é criar mecanismos para trazer diversidade à tecnologia. Somente com essa inclusão teremos o combate aos vieses inconscientes que nos prejudicam como seres humanos. O que eu quero dizer é que a diversidade de gênero é o verdadeiro motor da inovação e da inclusão social. A presença feminina traz códigos diferentes que imprimem visões de mundo que hoje não têm espaço dentro do setor da tecnologia. Criatividade é apenas um dos ganhos! Sei que a diversidade de gênero está em alta e permeia o debate dos gestores de pessoas das grandes empresas. Entretanto, enxergo um enorme desafio para incluir mulheres não apenas no ambiente corporativo, mas em setores como os de tecnologia. No entanto, gostaria de lembrar que somos a maioria da população no Brasil: 51,8%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD, 2019).
Aonde quero chegar com essa numerária? São dados que geram evidências da importância de debater o tema. Como vamos construir uma sociedade equânime se deixarmos de fora de atividades profissionais que apontam para o futuro mais da metade da população brasileira? Sim, caro leitor e cara leitora, a engenharia de software, a programação, as ciências exatas têm determinado o que chamamos de profissões do futuro, que na verdade já têm uma alta demanda no presente. Estamos construindo um futuro sem meninas, entendeu? Distópico pra caramba!
Mas, o que estamos fazendo na 42 São Paulo? Durante o processo seletivo garantimos que, pelo menos, 30% das vagas sejam ocupadas por mulheres (cisgênero, transgênero e não binárias); realizamos eventos abertos – como o 42 Minas Manas e Monas – para que entendam que a escola é para elas; e reunimos as cadetes, quinzenalmente, para conversas sobre tecnologias e carreiras (uma forma de nos apoiarmos em grupo). O sonho é chegar à equidade de gênero com 50% de alunas, como já acontece na própria rede da 42 Network, a exemplo da CODAM, nossa filial em Amsterdã, que já atingiu esse percentual. Para isso acontecer, precisamos incentivar e incluir as meninas em se aventurar em games e lógica; criar espaços para as garotas fortalecerem a autoestima (combater, claramente, a Síndrome de Impostora) e entenderem que a tecnologia é para as mulheres, sim.
Na 42 São Paulo – escola surgida na França, em 2013, com o objetivo de oferecer uma alternativa educacional gratuita que pode formar pessoas com escala e alta qualidade, de maneira a estarem preparadas para serem protagonistas no mundo digital – acreditamos que a diversidade de gênero é muito importante porque abre portas para outros recortes: racial e etária, por exemplo. A tecnologia é uma transversal poderosa em todas as áreas; ao apoiar uma mulher a se tornar engenheira de software podemos construir uma carreira incrível não apenas em setores como moda, arte ou saúde, mas também finanças, mobilidade e exploração espacial, por exemplo. Com a bênção de Ada Lovelace queremos formar uma nova geração de “encantadoras de números” – forma como essa musa foi chamada por seus contemporâneos. Aliás, as anotações dessa adorável programadora influenciaram o trabalho de Alan Turing, nos anos 1940, na construção dos primeiros computadores. Recomendo assistir ao filme O jogo da imitação para saber mais sobre ele. E sobre como outras mulheres incríveis fizeram diferença na história do mundo por meio da tecnologia, indico Estrelas além do tempo.
Ah… voltando ao sonho de apoiar mais e mais meninas a abraçarem carreiras nas exatas, se você conhecer alguma menina que gosta de games, matemática ou ciências, a incentive e conte para ela sobre a 42 (e não importa a idade). Precisamos da ajuda de toda a sociedade para alcançarmos a equidade de gêneros.
| Mariana Marcilio, head de Comunidade da 42 São Paulo. Há mais de 10 anos trabalhando com design e experiência, é graduada em Design de Produtos pelo Instituto Federal de Tecnologia de Santa Catarina e acredita que inovação de verdade só é possível por meio de múltiplas perspectivas de pessoas diversas.