Notícias falsas na internet: não se pode ser juiz da verdade

Estamos tão expostos à informação no meio digital que quase não se pode dizer mais que não se sabia sobre algo. Entretanto, apesar de tanta informação não somos verdadeiramente livres. Atualmente, há tanta informação disponível que ela acaba não circulando, porque existe excesso de informação, sobre informação, uma espécie de biombo ou barreira que nos impede de acessar aquela que nos interessa.

Enquanto nas ditaduras é o poder que nos impede de acessar a informação, na democracia é a própria informação, por saturação, que nos impede. Oferecem-nos e nós consumimos sem nos darmos conta que de algumas delas não nos fariam falta. Acreditamos, erroneamente, que o fato de ter mais informação nos leva a ter mais liberdade, quando na verdade ao analisar mais a fundo, temos tão escassa informação como em outros momentos.

Não é apenas o excesso o problema, mas a qualidade, a verdade, a credibilidade da informação. Nos últimos meses essa questão ganhou espaço na mídia, porque o problema da proliferação das notícias falsas na internet aumentou absurdamente.

Um estudante da Geórgia (EUA) decidiu que poderia ganhar dinheiro com notícias sobre as eleições americanas e montou um blog no qual publicava conteúdos extremamente elogiosos ao candidato – e agora presidente, Donald Trump, mesclando conteúdo real com outros completamente falsos. Do mesmo modo, o canadense John Egan, de um site satírico, percebeu que falar sobre Trump era uma mina de ouro. Ao publicar conteúdos falsos sobre a acirrada eleição, garantia altos números de tráfego para seu site. Essa situação tem levado analistas à preocupação de que as notícias falsas pudessem interferir na política e influenciar pessoas. (fonte)

O sensacionalismo e os títulos caçadores de likes atraem audiências. Eu inclusive investiguei a fundo um estudo divulgado em diversos sites brasileiros que me intrigou. O título afirmava que pais bonitos costumavam ter filhas, não filhos. Escrevi direto ao pesquisador e fiquei surpresa quando ele me disse que vários de seus estudos circulavam de forma errônea e sensacionalista, mas que quando ele escrevia ao site que disseminou a informação pedindo para corrigi-la, eles o ignoravam, porque o sensacionalismo garantia tráfego.

Muitos dos que produzem ou levam adiante informação falsa, geralmente estão em busca de fontes de receitas, em uma lógica ainda baseada em monetização a partir números de views. Em diversos casos o engajamento até acontece e é alto, porque a polêmica ou o título estratégico garante audiência. Entretanto, quando isso acontece estamos falando apenas de tráfego, de picos de acessos temporários, não de uma audiência cativada que retornará.

Mecanismos para checagem da verdade

Temos um problema importante a enfrentar e a necessidade de existir algum mecanismo ou sistema que nos permita ter garantias sobre a informação que consumimos. Com a informação, será necessário que aconteça o que se passou com a questão dos alimentos. Em alguns países a alimentação que era escassa passou para uma situação de abundância com o avanço da tecnologia, o aumento do uso de pesticidas, fertilizantes químicos e dos produtos transgênicos, mais resistentes. Porém, essa abundância é de uma alimentação contaminada que pode provocar uma série de doenças e mortes, como aquelas provocadas pelo câncer, infarto ou obesidade.

No dia a dia é difícil perceber, sem ser um especialista, se um determinado alimento foi cultivado usando agrotóxicos. Essa desconfiança levou à criação de lojas e sessões especializadas em alimentos orgânicos, cujo plantio aconteceu sem uso de elementos que fazem mal para a saúde. E, para ter ciência de que aquele produto é orgânico, além de uma lei sobre produtos orgânicos, criou-se um processo de certificação, que se apresenta ao consumidor por meio de um selo na embalagem do produto, atestando que ele é orgânico. Já existem inclusive aplicativos que permitem rastrear a origem de um alimento.

Com a informação está acontecendo o mesmo, antes ela quase não existia, agora existe em excesso, entretanto, contaminada com mentiras e ocultações. Ao perceber esse perigo, cada vez mais existem pessoas que querem encontrar “informação orgânica”, que tenha sido verificada, que não seja falsa ou contenha mentiras, que não dane a saúde mental, que não manipule. O próprio Google, Twitter e o Facebook estão preocupados com esta questão e recentemente o Facebook anunciou a criação de um projeto para combater notícias falsas.

O grande perigo desta questão é que não se trata de criar um mecanismo que ateste, de um modo superficial, se determinada notícia é verdadeira ou não. Isso porque o próprio conceito de verdade é discutível. Quando se fala sobre credibilidade é preciso estudar também outros conceitos que constituem fatores importantes na construção da informação, como a ética, a qualidade, a confiança, a verdade, a veracidade, a autenticidade, a objetividade, a neutralidade, a exatidão, a imparcialidade, entre outros, que se relacionam com o papel do jornalismo de averiguar, verificar, remeter à verdade e a verificabilidade de uma informação, a marca do verdadeiro. Além disso, a linguagem humana é complexa e não se pode julgar de forma binária se um texto é verdadeiro ou não, pois ele pode ser interpretado e percebido de modos diferentes e algumas questões abstratas não poderiam ser medidas. Também não se pode querer ser juiz da verdade ou controlar a informação que circula, isso seria censura.

O Facebok começou a testar um filtro de notícias falsas na Alemanha. Os links publicados na rede social pelos usuários poderão receber um aviso dizendo que as informações são duvidosas. Além disso, quem publica notícias falsas em sites poderá ter sua fonte de renda cortada, caso usem Facebook Ad Network. Em 2017 acontecem eleições nacionais na Alemanha, momento em que certamente as notícias falsas vão proliferar ainda mais. A princípio parece simples o mecanismo, mas diversas questões poderiam ser levantadas, pois alguém mal intencionando pode levantar uma suspeita sobre aquele conteúdo, querer prejudicar um concorrente ou colocar abaixo qualquer coisa que vá contra o que ele acredita. É preciso se perguntar quem vai realizar a checagem independente do que é suspeito ou não (afinal, não dá pra se auto auditar), como seria o processo e como reparar possíveis danos causados à imagem de uma fonte que foi indevidamente colocada sob suspeita. O ideal seria falar mais em sinalizador do que em filtro, para que o leitor tenha a liberdade para ler o que desejar e acreditar no que desejar, mesmo sabendo que ele é duvidoso.

Sinalizar de alguma forma se o fato foi checado, por exemplo, em um esquema parecido com a certificação que acontece com os alimentos orgânicos que recebem o selo pode ser um caminho. O não orgânico será, aos olhos, muito parecido com o orgânico, mas carregará em si um malefício invisível que pode vir a se manifestar algum dia em forma de alguma doença, algo imprevisível. Assim como o consumidor tem à sua disposição os dois tipos de alimentos para comprar, o orgânico e o cultivado com agrotóxicos, no mundo das notícias, ele deveria poder ter a opção de consumir informação checada / produzida por veículos comprometidos com a ética e a verdade ou a não checada para que ele mesmo possa decidir no que acreditar.

Mesmo os usuários mais experts nem sempre sabem se estão diante de informação confiável, porque até mesmo reconhecidos portais já foram vítimas ao publicar notícias que pareciam ser verdadeiras, mas não era. Na notícia não “orgânica”, nem sempre se conhece os males que pode ela causar, porque o conteúdo pode não ser apenas falso, mas enviesado, tornando-se difícil verificar se as informações correspondem à realidade, já que nem sempre percebe os sinais que podem leva-lo a desconfiar da veracidade de um conteúdo.

O viés de confirmação é outro ponto, existe uma tendência em compartilhar e endossar notícias que vão ao encontro das crenças e ideologias do leitor, de modo que parece que tudo o que ele encontra na internet e que concorda com sua visão é verdadeiro e o que discorda é sempre falso.

Ao compreender a complexidade da checagem da informação verdade, já existem agências dedicadas ao assunto, são especializadas em “fact checking”. No Brasil temos as agências Lupa, Aos Fatos e Truco. Cada uma delas criou seus critérios de verificação, que são transparentes e que se revelam por meio de selos atribuídos às informações que foram checadas, a fim de compreender, por exemplo, se ela se trata de um boato, se a fonte não foi divulgada, se o fato não foi checado presencialmente, dentre outros aspectos que em conjunto contribuem para um nível mais alto de confiança. Outros pesquisadores se dedicaram a formas de mensuração e expressão automática do nível de credibilidade de um texto, como os estudos citados por Nurse et al (2013), que revisaram estudos que propõem uma série de fatores e métricas para calcular uma medida de confiabilidade, considerando uma forma de classificar o conteúdo e comunicar sobre ele ao leitor, de modo a construir confiança na informação quando necessário e comunicá-la ao leitor a partir desta tendência de avaliação automática de conteúdo social. Os trabalhos por eles revisados incluem um sistema para identificar automaticamente itens de conteúdo de alta qualidade em redes de perguntas e respostas, análise de credibilidade de dados no Twitter, uma ferramenta para determinar a qualidade de artigos da Wikipedia, um sistema baseado em cores diferentes para comunicar a qualidade do texto, e o uso de coloração de fundo de texto para sinalizar se um conteúdo da Wikipedia é confiável ou não. O assunto é complexo e ainda não existe um único caminho a seguir ou algo definitivo.

Os desafios do jornalismo e os novos produtores de conteúdos

O jornalismo, que vem sofrendo impactos e muitas vezes precisando reformular seu modelo de negócios diante de tanta abundância de informação gratuita, pode ver na questão da credibilidade um diferencial competitivo. É quase como a escolha da compra pelo alimento orgânico ou não, decide-se sobre pagar mais para ler um conteúdo porque se acredita que aquele veículo respeita princípios éticos na produção da notícia e na apuração da verdade.

Entretanto, precisamos lembrar que todo meio que também seja um negócio está sujeito a não tocar em determinados assuntos se um dos envolvidos for um anunciante seu, por exemplo. Neste sentido, o jornalista e historiador Ryszard Kapuściński (1999) acredita que desde que foi considerada como uma mercadoria, a informação deixou de ser submetida a critérios tradicionais de verificação, autenticidade ou erros e agora é regida por leis do mercado.

Diariamente, os veículos recebem uma quantidade gigante de notícias e precisam decidir quais delas irão adiante. O linguista americano Noam Chomsky aborda essa questão em sua obra “O guardiães da liberdade” ao falar sobre filtros, pelos quais o dinheiro e a tamisação as notícias estarão prontas para serem publicadas, permitindo que seus interesses de negócios sejam preservados. Esses filtros nem sequer são conscientes aos profissionais envolvidos naquela organização, que no fundo estão convencidos de que trabalham com imparcialidade e objetividade.

Além disso, na frequente competição sobre quem noticia primeiro, nem sempre existe tempo suficiente para se produzir algo de qualidade de forma que a maior parte das notícias que chegam até nós pode ser mal elaborada, sem crítica, com informações mal contadas, escritas por um jornalista que nem sempre é especialista no assunto ou que é mal remunerado ou por qualquer outro produtor de conteúdos que utilize um site, um blog ou qualquer outra plataforma de textos para dizer o que quiser. Ou seja, a pressa, a pressão, a falta de preparo ou os interesses comerciais nem sempre dão a ele a chance de produzir algo denso e realmente checado.

O que esse cenário todo tem criado são dois tipos de cidadãos / leitores, um que consome informação de forma acrítica e se converte facilmente em massa de manobra e outro que tenta não ser passivo, consome a informação para tentar compreender as peças -chave do mundo, mas que a incorpora a uma cidadania crítica e desconfia porque quer conhecer a verdade para então poder ser verdadeiramente livre.

Aqueles que perceberam que existe um perigo nessa abundância e na liberdade da produção de informação mostram-se preocupados com a manipulação midiática ao qual podem estar submetidos, pois se vive um estado de insegurança na informação que prolifera sem nenhuma garantia de fiabilidade.

Em épocas de consumo acidental de notícias, de proliferação mentiras e da informação fast-food, como leitores precisamos estar atentos com a informação que endossamos e levamos adiante. Nem sempre será fácil identificar sua veracidade, o Nexo Jornal produziu uma lista com 10 boas práticas para o consumo de informações na internet que podem ajudá-lo a discernir se pode confiar em uma informação.

Como produtores de conteúdo ou veículos, precisamos cuidar do que produzimos para não levar adiante o que é falso ou não checado, afinal, já estamos afogados em conteúdos na internet. Que nossa produção não seja apenas mais um número ou mais do mesmo.

Artigo de Flavia Gamonar, que é mestra em TV Digital e doutoranda no Programa em Mídia e Tecnologia da Unesp de Bauru/SP e pesquisa sobre credibilidade de textos em mídia digital. É professora em cursos de pós-graduação e cofundadora da Content Review.

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