O impacto do analfabetismo funcional na comunicação
Se você está lendo isto, você sabe ler. Você provavelmente teve anos e anos de educação que envolveram caligrafia, sujeitos, preposições, vírgulas, Dom Casmurro, romantismo, poesia e que serviram como base para todos os outros assuntos que, até hoje, você aprendeu. O texto – em seu sentido mais literal – provavelmente é uma das suas principais ferramentas de interação com o mundo, e é uma ferramenta sobre a qual você tem total domínio.
Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), 72% dos brasileiros têm algum nível de analfabetismo funcional. Na prática, sete em cada dez brasileiros não dominam tão bem o texto como você.
E isto tem um impacto enorme para as marcas.
Recentemente participei de um processo de Co-Criação da Ponte Estratégia de um serviço voltado para a classe média brasileira. Entre outras premissas que tínhamos, o dado sobre o analfabetismo funcional era um dois mais importantes. Foi a partir dele que buscamos durante todo o processo simplificar o máximo possível como iríamos falar qualquer coisa. Queríamos encontrar a maneira mais bem explicada, que não gerasse ruído, de passar qualquer informação.
Textos grandes ficaram pequenos. Textos curtos cresceram em didatismo. E assim, tentamos ao máximo, encontrar o mínimo denominador comum de compreensão. A versão “for dummies”.
Este “for dummies” me mata. Ele pressupõe que só porque uma pessoa não domina a mesma ferramenta que você – no caso, o texto escrito -, ela é automaticamente mais burra. Não é. Analfabetismo funcional em qualquer grau é reflexo da falta de treinamento básico em leitura, escrita e interpretação, mas nada diz sobre a esperteza, a sabedoria e a experiência de vida destes brasileiros.
Neste sentido, tornar um texto mais curtinho e direto ou mais longo e didático resolve o problema para nós, que dominamos as letras. Não para todo mundo.
Imagina alguém tentar ensinar para você, apenas com fórmulas matemáticas, que energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado. Se já é difícil compreender a fórmula resumida, tente pensar como seria ter na sua frente toda a fórmula destrinchada, decupada, “didática”. Piora, né? Só faz sentido para quem domina a linguagem.
Quem trabalha com publicidade sabe o desafio de trabalhar com espaços limitados e com o micro tédio de toda uma geração que não vai ler nada mais longo do que uma linha. Quando isto é somado com a dificuldade de leitura e interpretação, só há uma conclusão lógica a se chegar em determinados casos: abandonar o texto. Mudar a ferramenta, a linguagem. E não, ninguém está falando apenas de ícones e “bonequinhos”.
A tecnologia, por si só, cria novas formas de interação com o mundo. A turma do UX entende bem de “plataformas intuitivas”. Mais do que isto, a tecnologia tem o potencial de ajudar a resolver problemas antigos de mercados emergentes com baixa escolaridade, como o Brasil: fazer as pessoas entenderem. Afinal, quando as pessoas não entendem, as marcas perdem em conversão, gastos com estrutura de SAC e podem acabar com uma construção de imagem, se não errada, ao menos incompleta.
Foi uma das participantes que, depois da quinta tentativa para simplificar um texto para explicar renda mínima, falou: “mas por que você não simplesmente calcula sozinho e me fala?” Às vezes, é preciso parar de tentar de explicar e apenas mostrar, de forma customizada, como as coisas funcionam. Ao invés de decupar a equação de segundo grau, dar para as pessoas uma calculadora.
Às vezes, é preciso abandonar as nossas ferramentas, a nossa visão de mundo, a nossa experiência, e simplesmente aceitar, respeita e aprender com a do outro.
Fonte: Lara Thomazini
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