Após 11 meses de processo, Câmara cassa Eduardo Cunha por 450 votos a 10

Abandonado pelo próprio partido e pelos aliados de ocasião na aventura do impeachment, o peemedebista ficará inelegível até 2027

om 450 votos favoráveis ao relatório aprovado na Comissão de Ética, 193 a mais que o mínimo necessário, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha foi cassado pelos colegas na segunda-feira 12. Foram apenas 10 votos contrários à cassação e 9 abstenções. O resultado foi proclamado pouco antes da meia noite, em meio aos gritos de “Fora, Cunha” puxados por adversários. Abandonado pelo próprio partido e pelos aliados de ocasião na aventura do impeachment, o peemedebista ficará inelegível até 2027.

A votação põe fim a um processo que se arrasta há 11 meses. Ao fazer sua defesa, Cunha declarou-se vítima de uma perseguição política. “Estou pagando o preço de ter o meu mandato cassado por ter dado continuidade ao processo de impeachment. É o preço que eu estou pagando para o Brasil ficar livre do PT”, discursou no plenário da Câmara, de improviso. “Por mais que o PT xingue, chore, esse criminoso governo foi embora graças à atividade que foi feita por mim”.

Após classificar as denúncias que pesavam contra ele como “risíveis”, Cunha lembrou que 160 deputados respondem a acusações na Justiça. Em tom de ameaça, afirmou que a sua cassação abriria um perigoso precedente. “Amanhã será com vocês também”. Ao sair do plenário, agora sem o mandato parlamentar, disse não ter nada a delatar aos investigadores da Lava Jato, mas prometeu lançar um livro de memórias.

A extensa lista de crimes atribuídos ao deputado
Três vezes réu no Supremo Tribunal Federal e recordista de inquéritos na Lava Jato, Cunha renunciou à presidência da Câmara no início de julho. Desde a primeira citação, pelo doleiro Alberto Youssef, uma enxurrada de provas e depoimentos desabaram sobre ele e revelaram movimentações financeiras criminosas e uma vida de luxos.

Alberto Youssef
Desde a primeira citação na Lava Jato, pelo doleiro Alberto Youssef (acima), uma enxurrada de provas e depoimentos desabaram sobre o peemedebista (Foto: André Richter/ABr)

Em janeiro de 2015, o ex-policial federal Jayme Alves admitiu ter realizado entregas de quantias de dinheiro, a mando de Youssef, destinadas ao peemedebista. Em julho, foi a vez de o empresário Júlio Camargo delatar que o deputado havia recebido 5 milhões de dólares de propinas para interferir na aquisição de um navio-sonda pela Petrobras.

O bombardeio continuou em setembro com os depoimentos do lobista do PMDB João Henriques, que afirmou ter enviado dinheiro à Suíça para Cunha por conta de contratos firmados pela Petrobras na aquisição de um campo de petróleo no Benin.

Durante busca e apreensão na residência de Cunha, em dezembro do ano passado, foram encontrados documentos referentes a esta operação na África. Em outubro, o lobista Fernando Baiano confirmou a história de Júlio Camargo e confessou arrecadar recursos para o parlamentar e outros peemedebistas.

Uma das acusações mais recentes está relacionada a seu antecessor na Câmara e ex-ministro do Turismo do governo Temer, Henrique Alves. A investigação identificou pagamentos da construtora Carioca Engenharia, uma das envolvidas no escândalo, em uma conta secreta na Suíça pertencente ao ex-ministro do PMDB.

Em delação premiada, o proprietário da empresa, Ricardo Pernambuco, havia citado um repasse de 52 milhões de reais em propinas a Cunha em troca de favores na Caixa Econômica Federal. As gestões ilegais estariam relacionadas a operações de crédito do FI-FGTS para a construção do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.

Em abril de 2016, tornou-se pública uma planilha entregue por Pernambuco aos investigadores da Lava Jato, com a indicação de 22 depósitos que somam 4,6 milhões de dólares em propinas supostamente pagas ao deputado entre agosto de 2011 e setembro de 2014.

De acordo com as apurações, a transferência para a conta do ex-ministro Henrique Alves foi feita por orientação de Cunha. Para que a operação de crédito fosse aprovada pela Caixa, o ex-presidente da Câmara usava seu apadrinhado no banco, o então vice-presidente Fábio Cleto, para autorizar as liberações. Em delação premiada, Cleto diz que Cunha ficava com 80% dos recursos desviados.

Não bastassem os depoimentos, também foram identificadas contas na Suíça, documentos supostamente relacionados à propina cobrada do Banco Pactual por gestões do parlamentar na elaboração de uma Medida Provisória que regulou a cessão de créditos tributários a instituições financeiras.

Do apadrinhamento de Collor à realeza fisiológica
Formado em economia na Universidade Cândido Mendes, Cunha iniciou sua trajetória política em 1989, quando se filiou ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN) do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Com o apoio do padrinho, foi nomeado em 1991 para o cargo de presidente da Telerj, estatal de telefonia.

A passagem de Cunha pela estatal foi marcada pelo processo de implantação da telefonia celular no Rio de Janeiro e por denúncias de irregularidades na contratação de servidores sem concurso. Durante sua gestão, o Tribunal de Contas da União constatou falhas na licitação para a edição de catálogos telefônicos e tratamento privilegiado a fornecedores.

Após a saída da Telerj, em 1993, Cunha atuou como operador na Bolsa de Valores. Em 1995, filiou-se ao PPB (Partido Progressista Brasileiro, atual PP). Nesse período, aproximou-se dos evangélicos, por meio do então deputado federal Francisco Silva, dono da emissora Rádio Melodia FM.

Em 1998, concorreu à vaga de deputado estadual. Com pequena votação, tornou-se suplente. Em 1999, passou a ocupar o cargo de subsecretário de Habitação no governo de Anthony Garotinho.

Em abril do ano seguinte, já como secretário, foi afastado da função após denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas que somavam 34 milhões de reais. As denúncias levaram o Tribunal de Contas do Estado a notificar Cunha. Em meio a esse cenário, assumiu em 2001 uma vaga como deputado estadual, e em consequência obteve a prerrogativa de foro privilegiado.

Cunha entrou na política nacional em 2002, ao eleger-se deputado federal com 101.495 votos. Repetiu o feito, já filiado ao PMDB, em 2006, quando obteve 130.773 votos, e em 2010, com 150.616 votos.

Em 2013, assumiu a liderança do PMDB na Câmara dos Deputados. Nesse período, liderou uma rebelião da base aliada por mais cargos no governo federal. No comando do chamado “Blocão”, bancada informal de parlamentares movidos por interesses meramente fisiológicos, impôs constrangedoras derrotas ao Planalto em votações na Câmara.
Manifestação contra Cunha ocupa a Avenida Paulista, em novembro de 2015 (Foto: Roberto Parizotti/CUT)

Cunha também tornou-se protagonista entre os segmentos conservadores do Legislativo ao propor obstáculos à demarcação de terras indígenas, encampar a defesa da redução da maioridade penal e fazer ferina oposição à ampliação dos direitos LGBT ou das possibilidades de aborto legal. Era o nascedouro da “bancada BBB”, do Boi, da Bala e da Bíblia, como seus adversários viriam a apelidar a articulação.

Em 2014 foi reeleito para mais uma legislatura com 232.708 votos, terceira maior votação do Rio. Com a decisão de se candidatar à presidência da Câmara dos Deputados, cristalizou sua posição como um dos principais atores políticos do País. Elegeu-se com 267 votos e derrotou no primeiro turno o petista Arlindo Chinaglia (SP).

Com uma campanha montada em cima da insatisfação da base aliada do Planalto, Cunha, após a eleição, aprofundou o processo de distanciamento com o governo, até o rompimento definitivo, em julho daquele ano. Na ocasião, o peemedebista passou a integrar as fileiras da oposição. E trabalhou fortemente para que seu partido adotasse a mesma postura.

O anúncio do rompimento ocorreu em meio à escalada de denúncias que levaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a incluir o nome de Cunha em uma lista de políticos suspeitos de integrar o esquema de corrupção e pagamento de propina envolvendo a Petrobras.

O mais longevo processo do Conselho de Ética
Em setembro de 2015, as autoridades suíças enviaram à PGR dados de contas secretas mantidas por Cunha no tradicional paraíso fiscal europeu. Os extratos do correntista suíço desmentiam a versão apresentada pelo parlamentar em depoimento à CPI da Petrobras, quando negou possuir contas no exterior não declaradas à Receita Federal.

Diante da nova revelação, o PSOL e a Rede protocolaram, em 13 de outubro, uma representação contra Cunha no Conselho de Ética. O documento pedia a cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar. Além da mentira contada à CPI, na declaração enviada à Justiça Eleitoral em 2014, Cunha também não informou ter contas no exterior, apenas uma no Banco Itaú.

Em 3 de dezembro de 2015, horas após o PT anunciar que votaria contra Cunha no Conselho de Ética, o então presidente da Câmara aprovou um dos pedidos de impeachment apresentados contra Dilma Rousseff.

Após uma série de manobras que atrasaram o trabalho do colegiado, em 15 de dezembro o Conselho de Ética autorizou, por 11 votos a nove, o prosseguimento das investigações. Posteriormente, outra manobra levou ao afastamento do então relator, Fausto Pinato, em abril de 2016.

Pinato renunciou à vaga de titular no Conselho de Ética, alegando que o lugar pertencia ao PRB, partido que deixou para migrar para o PP. A deputada Tia Eron, do PRB da Bahia, passou a integrar o colegiado.

Com a saída de Pinato, o deputado Margos Rogério assumiu a relatoria do processo contra Cunha, que só foi concluído em 14 de junho, quando o colegiado aprovou por 11 a 9 o parecer pela cassação do mandato.

Em sua defesa, Cunha admitiu ser beneficiário de trustes, tipo de negócio em que terceiros passam a administrar bens do contratante, e que os valores têm origem em operações comerciais e no mercado financeiro, como a venda de carne enlatada para países da África.

Segundo o relatório de Marcos Rogério, os trustes foram usados pelo presidente afastado da Câmara para ocultar patrimônio mantido fora do País e também para receber propina de contratos da Petrobras.

Antes da decisão do colegiado, Cunha ainda presidiu a sessão do plenário da Câmara que autorizou a abertura processo de impeachment de Dilma Rousseff, no dia 17 de abril, por 367 votos favoráveis e 137 contrários.

A cabeça de Dilma em troca da própria anistia
Enquanto trabalhava pela destituição da presidenta eleita, uma expressiva bancada de parlamentares articulava uma “anistia” a Cunha. À época, os aliados mais próximos do peemedebista não escondiam as cartadas lançadas nos bastidores. “Sem ele não teríamos o processo de impeachment. Por isso, Cunha merece ser anistiado”, afirmou o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, ao site Congresso em Foco.

Cunha e Paulinho
Aliados, como Paulinho da Força, tentaram articular uma anistia. Não deu certo (Atonio Augusto/Agência Câmara)

Na ocasião, Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná, também defendeu publicamente uma “retribuição” ao correligionário. Integrante da tropa de choque de Cunha no Conselho de Ética, Carlos Marun, do PMDB de Mato Grosso do Sul, tem repetido o discurso desde abril: “Entendo que deva haver uma punição, mas não entendo que deva ser a cassação”.

A votação aberta no plenário da Casa frustrou as expectativas da tropa de choque de Cunha. Com a cassação, o peemedebista não apenas perdeu direito ao foro privilegiado, como também permanecerá inelegível por oito anos, além do tempo restante para o fim do mandato.

* Com informações da Agência Brasil.

Fonte: Carta Capital 

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