Beyonce contra as correntes
No cume do mercado pop, a diva americana não instiga apenas dançarinos ou hedonistas das passarelas do modismo
Em seu novo projétil audiovisual Lemonade(CD e DVD acoplados), Beyoncé asperge acidez em lugar da glicose quase imanente aos campeões de vendas, além de enovelar a voz contorcionista em extremos estéticos, do jazz ao rap.
Aperitivo rascante, a convulsiva Formationfoi servida crua à plateia massiva do final do torneio de futebol americano, Super Bowl, no começo do ano. Ela evocou os Panteras Negras e seu orgulho de descender de nativos do Alabama e da Louisiana.
No clipe adicionado ao disco, a cantora aparece sobre um carro de polícia afundando, em alusão à negligência com os desabrigados – na maioria, da população negra – do Furacão Katrina, que devastou New Orleans em 2005.
A politização do evento esportivo provocou a ira de republicanos como o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, e o tresloucado candidato à Presidência,Donald Trump.
Beyoncé não se limitou a armar o circo com a lona alheia. Chutou o pilotis da própria barraca ao lancetar o caso extraconjugal do marido, o rapper Jay Z (em cuja plataforma de streaming o álbum foi lançado), entre as batidas e vozes distorcidas de Sorry (ele já devia estar em casa/ hoje me arrependo do dia em que coloquei aquele anel) e samples do neopunk Yeah Yeah Yeahs em Hold Up (cheiro o seu segredo/ e não sou perfeita o bastante/ pra me sentir tão desvalorizada).
Lemonade. Beyoncé. Sony Music
Ao menos no clipe, o casal reconcilia-se, sob a escadaria de piano da balada soulSandcastles. O guitarrista Jack White injeta blues-rock em Don’t Hurt Yourself. E o rapper vanguardista Kendrick Lamar endossa os arroubos de Freedom: “Eu mesma rompi meus grilhões/ não deixei minha liberdade apodrecer no inferno”.
*Publicado originalmente na edição 907 de CartaCapital, com o título “Contra as correntes”
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