JOGO DO DINHEIRO
CRÍTICAS
Em 1976, o diretor Sidney Lumet trouxe ao cinema Howard Beale, o âncora de um programa televisivo que, devido aos interesses comerciais da emissora, passa a encarnar ao vivo a figura do profeta louco, dizendo verdades que o povo, raivoso, queria ouvir. Era um retrato da ingerência cada vez maior do entretenimento no jornalismo, setor que, ao menos na teoria, deveria ser o mais sério e respeitado da empresa. Hoje, pode-se dizer que Rede de Intrigas foi visionário. O mundo mudou, a TV mais ainda e o que mais existe são programas informativos que buscam, a todo custo, capturar a atenção do espectador com todo tipo de malabarismo visual e cômico. Jogo do Dinheiro, nova investida da atriz Jodie Foster na carreira de diretora, bebe escancaradamente desta fonte.
Não é exagero dizer que Lee Gates, o apresentador encarnado por George Clooney, seja discípulo de Howard Beale – só que bem mais exagerado e plenamente consciente do que está fazendo, sem qualquer tipo de surto psicológico. Apresentador de um programa financeiro, ele faz o possível para chamar a atenção do espectador: dança, se veste de boxeador, possui ajudantes de palco… No fim das contas, a informação propriamente dita torna-se um anexo. Ou seja, trata-se de uma inversão de valores em relação a tudo aquilo que prega o jornalismo, algo constatado pela própria personagem de Julia Roberts, produtora do programa. Em uma sintomática conversa, ela sacramenta: “faz tempo que não fazemos jornalismo”.
Só que ao menos parte do público não pensa assim e, ingênuo, acredita sem contestação no que é dito pela TV. Diante deste cenário em que o circo encanta e engana, o que poderia acontecer quando um dos deslumbrados, de repente, se revoltasse? Esta é a premissa do filme, trazida através da súbita invasão de um homem no programa ao vivo comandado por Lee Gates. O motivo? Ele acreditou numa de suas dicas financeiras e perdeu muito, muito dinheiro.
O mais interessante de Jogo do Dinheiro é, sem dúvida, este tom de constatação e crítica à espetacularização do jornalismo e a uma faceta do capitalismo, personificada no mercado financeiro. Jodie Foster, com habilidade, insere questionamentos pontuais aos esperados momentos de tensão envolvendo o apresentador e seu sequestrador. Por sua vez, a produtora interpretada por Julia Roberts se mantém em uma linha tênue: ao mesmo tempo que deseja salvar sua equipe, vê na situação a oportunidade de alavancar a audiência – e se esforça para isto, mesmo que utilizando os equipamentos técnicos ao seu dispor para, também, influenciar em um possível salvamento.
Em um contexto tão interessante, outro ponto positivo é a dinâmica existente entre os três protagonistas. Por mais que apenas Clooney brilhe de fato, graças ao seu misto de gaiato e canastrão inconsequente, tanto Jack O’Connell quanto Julia Roberts cumprem de forma convincente suas funções na trama, mesmo que às vezes soem um tanto quanto unidimensionais. A trilha sonora composta por Dominic Lewis e a edição de Matt Chesse também merecem destaque, ajudando a construir a tensão necessária.
O grande pecado de Jogo do Dinheiro é que, em seu terço final, passa a dar uma atenção exagerada a uma conspiração empresarial que, no fim das contas, serve como cortina de fumaça para todo o tom crítico presente até então. A partir do momento em que um vilão é nomeado, o filme torna-se absolutamente banal e assume de vez cacoetes hollywoodianos em relação à incrível rapidez com que as investigações são concluídas. O próprio desfecho, alongado mais que o necessário, soa tendencioso ao, de certa forma, “endeusar” os heróis errados desta história.
Por mais que sua metade inicial seja bem melhor que o desfecho, ainda assim Jogo do Dinheiro é um filme que merece atenção. Trata-se de entretenimento com conteúdo, algo não muito comum na Hollywood atual. Por mais que não se aprofunde tanto quanto poderia, nem tenha um tom tão incisivo quanto Rede de Intrigas, trata-se de um longa ficcional com um pé na realidade que pontua questões bastante oportunas em relação ao modo como o jornalismo é produzido nos dias atuais.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.
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