As provas contra Eduardo Cunha na Lava Jato
Segundo Rodrigo Janot, há provas suficientes de que o deputado usa o cargo para intimidar delatores, advogados e agentes e retardar investigações
Quando a polícia Federal batizou a mais recente fase da Operação Lava Jato de Catilinária, alusão aos discursos do cônsul romano Marco Túlio Cícero em 63 antes de Cristo, contra o senador Lúcio Sérgio Catilina, acusado de tramar um golpe contra a República para chegar ao poder, foi o sinal de que a paciência da força-tarefa com os desmandos do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, havia chegado ao fim.
A gota d’água veio na quarta-feira 16, com a oficialização do seu pedido de afastamento pelo procurador-geral da República não só da presidência da Casa, mas de seu mandato parlamentar.
Segundo Rodrigo Janot, há provas suficientes de que o deputado tem usado o cargo para intimidar delatores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar as investigações contra ele.
Cunha ganhou, porém, um pouco de fôlego. A decisão sobre o afastamento só sairá na volta do recesso do Judiciário, em fevereiro. O ministro Teori Zavascki, do STF, avaliou não haver tempo suficiente para julgar o pedido de 187 páginas.
Zavascki preocupa-se com a gravidade do afastamento do chefe de um Poder, apesar das inúmeras evidências das manobras do peemedebista para obstruir o trabalho da Justiça.
O Ministério Público chegou a cogitar a prisão preventiva do deputado, mas preferiu aguardar a manifestação do Supremo sobre o possível desligamento do parlamentar.
O resultado das buscas nas casas e escritórios do presidente da Câmara chocou os investigadores. Apesar de ser um alvo oficial há nove meses, Cunha parecia ter tanta certeza da impunidade que não fez questão de se desfazer de documentos que o ligam a diversas práticas criminosas.
Os policiais encontraram no bolso do paletó do parlamentar a cópia de um Boletim de Ocorrência, no qual o deputado federal Fausto Pinato, ex-relator do processo de cassação na Comissão de Ética, comunicava às autoridades policiais ter sido ameaçado.
Um dos B.O. mostra que dois motoqueiros teriam parado ao lado do carro do motorista de Pinato e feito ameaças à família do parlamentar, caso ele não interrompesse o processo de cassação do colega.
As diligências também encontraram no escritório de Cunha cópias de documentos relacionados à compra de um campo de petróleo no Benin, na África Ocidental, pela Petrobras. Segundo
depoimento do lobista João Augusto Henriques, o peemedebista teria recebido propina na Suíça por conta dessa operação. Não só.
Os federais apreenderam papéis referentes a contas na Suíça nos bancos Julius Baer e Merryl Linch, escritos sobre a Petrobras e dossiês da CPI da estatal, além de um bilhete no qual se lê: “Min. Ciência e Tecnologia 700.000”.
O atual ministro da Ciência e Tecnologia é Celso Pansera, deputado federal licenciado apontado pelo doleiro Alberto Youssef como “pau-mandado” de Cunha. O parlamentar seria o responsável por ameaçar familiares do doleiro. Pansera foi alvo da Operação Catilinária.
Outros documentos relacionados dizem respeito à Medida Provisória nº 675, incluídos requerimentos do ferrenho defensor de Cunha na “Comissão de Ética”, o deputado Manoel Júnior, do PMDB da Paraíba.
A MP tratava de créditos tributários para bancos, de interesse direto do BTG Pactual de André Esteves, que havia sido preso com o senador petista Delcídio do Amaral e acaba de ser solto pelo STF.
Um manuscrito apreendido na casa de um assessor do senador Amaral indica que Cunha teria recebido 45 milhões de reais por facilitar a aprovação da MP.
Janot anexou ao pedido de afastamento trocas de mensagens entre Cunha e dois executivos detidos na Operação Lava Jato, Léo Pinheiro, da OAS, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, a respeito da edição de outras medidas provisórias. Fato que levou a PGR a afirmar que o deputado usa o mandato como um “balcão de negócios”.
Até uma nova informação sobre a ascendência do parlamentar foi encontrada nas buscas. Os policiais identificaram cópias de passaportes italianos em nome de Cunha e no de sua filha Danielle Dytz da Cunha, o que fez subir o alerta sobre uma possibilidade de fuga do peemedebista.
Uma conclusão pode ser tirada desses documentos: não por acaso, Cunha afirmou a seus aliados temer que sua esposa, a ex-jornalista da TV Globo Cláudia Cruz, venha a ser presa, em breve.
O presidente da Câmara demonstrava muito interesse em manter contas no exterior. A Polícia Federal encontrou um guia em inglês, como um passo a passo da abertura deoffshore.
Entre os 55 mandados cumpridos, vários atingiram lobistas e empresários próximos do parlamentar. De acordo com integrantes da força-tarefa, seriam “os homens de Cunha”. Entre eles, desponta Lúcio Funaro, investigado no “mensalão” por lavagem de dinheiro.
Amigo de longa data do parlamentar, o agente do mercado financeiro, afirmam os investigadores, tinha o hábito de pagar as despesas do parceiro em hotéis e lhe oferecer “carona” em seu jato particular. Nas apreensões realizadas nos imóveis de Funaro, foram encontrados históricos de saques e pagamentos vinculados a Cunha.
Segundo o Ministério Público Federal, o deputado retribuía por meio de requerimentos na Câmara dos Deputados contra empresas concorrentes do executivo em disputas industriais.
Uma das formas de chantagear os adversários partia de requerimentos propostos pela ex-deputada Solange de Almeida, do PMDB fluminense. Ela costumava convocar executivos e fazer pedidos de explicações sobre os negócios dos adversários de Funaro.
Em um dos casos citados pelos investigadores estaria a briga entre uma empresa representada por Funaro e a Schahin Engenharia pelo controle de uma central hidrelétrica em Rondônia. Como as empresas não resolveram a pendência amigavelmente, o Grupo Schahin virou alvo de constrangimentos da parlamentar.
A sanha de Funaro contra o Grupo Schahin foi tanta que ele teria ameaçado de morte Milton Schahin, executivo do grupo. O pedido de afastamento de Cunha incluiu a descrição do executivo de um diálogo com Funaro. Este teria dito: “Você pensa que vai me enganar, seu velho safado? Você tá com câncer, né? Pois eu não estou nem aí. Vou comer seu fígado com câncer e tudo”.
A mesma abordagem, aponta o Ministério Público, teria sido usada pela deputada para convencer o lobista Júlio Camargo a pagar 5 milhões de dólares de propina em troca da contratação de um navio-sonda da Mitsui pela Petrobras. As buscas nas propriedades do presidente da Câmara levaram os investigadores a bilhetes manuscritos sobre detalhes da atividade de Solange Gomes.
Os promotores querem saber ainda por qual motivo dois carros pertencentes a uma empresa de comunicação de Cunha em sociedade com sua esposa foram comprados por Funaro.
Outro alvo da operação é o “sr. Altair”, personagem não identificado durante boa parte das apurações. Até há pouco tempo, a força-tarefa sabia apenas que o homem seria o intermediário do recebimento de propinas repassadas pelo lobista Fernando Baiano. Segundo o lobista, Altair, de 67 anos, é quem recolheria a parte dos pagamentos da propina enviada por Camargo e repassaria a Cunha.
A PGR finalmente descobriu sua identidade. Trata-se de Altair Alves Pinto. Em um inquérito no STF, a Procuradoria-Geral da República identificou sua presença frequente no gabinete de número 510, usado por Cunha na Câmara.
Para complicar a situação, o peemedebista terá de explicar o motivo de um táxi de propriedade de Altair, avaliado em 230 mil reais, estar estacionado na garagem de sua casa na capital fluminense durante as buscas da Polícia Federal.
A lista dos envolvidos com o presidente da Câmara na última fase da ação não para por aí. Indicado pelo deputado e exonerado recentemente da vice-presidência da Caixa Econômica Federal, Fábio Cleto recebeu a visita dos federais.
De acordo com a investigação, Cunha usava Cleto para liberar recursos do FI-FGTS a investimentos imobiliários e em troca o deputado cobrava de empresários do setor da construção. O esquema teria rendido 52 milhões de reais ao presidente da Câmara, segundo relato de dois delatores.
A PF também alcançou o prefeito de Nova Iguaçu, Nelson Bornier, que negou qualquer relação ilícita com Cunha e evitou comentar as investigações. Bornier não mora na cidade que governa. Prefere um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Coincidência ou não, é vizinho de Baiano.
Há ainda o ex-deputado Alexandre Santos, outro investigado. Segundo Baiano, Santos o teria aproximado do presidente da Câmara. Segundo o lobista, o ex-deputado teria tido “muita influência” na diretoria de Serviços da Petrobras durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Um dos braços direitos de Cunha em sua saga contra a cassação e pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff é o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, que precisa colocar as barbas de molho. Se depender dessa nova fase da operação, o deputado pode ter mais dor de cabeça no STF.
Réu em uma ação penal na Corte por acusações de desvios de recursos por meio de empréstimos do BNDES, ele agora vê um aliado próximo, o deputado federal Aureo Lídio entrar na mira. O parlamentar não quis se manifestar sobre a operação da PF. Para encerrar a longa lista, a chefe de gabinete de Cunha, Denise Santos, também terá de fornecer explicações à Lava Jato.
Por fim, a operação apreendeu três celulares do peemedebista. A PF espera identificar diálogos que comprometam ainda mais o parlamentar e eventuais conversas que reforcem as provas de seu esforço para barrar o trabalho de investigação.
A Operação Catilinária abateu-se sobre outros próceres do PMDB. O presidente do Senado, Renan Calheiros, escapou das buscas e apreensões por decisão do ministro Zavascki, que rejeitou o pedido do Ministério Público.
Aliados do senador não tiveram, porém, a mesma sorte. O ex-presidente da Transpetro, braço logístico da Petrobras, Sérgio Machado, o deputado federal Aníbal Gomes, o ex-vice governador de Alagoas José Wanderley Neto e o escritório do partido em Maceió enfrentaram mandados de buscas.
O ex-presidente da Câmara e atual ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, e o senador Edison Lobão também não escaparam ao cerco e devem ser os próximos alvos das investigações de corrupção, que finalmente decidiu apurar os desvios na estatal ocorridos no período dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Batizada de Sangue Negro, a nova operação ganhou as ruas para combater malfeitos na estatal a partir de 1997. As investigações apontam que até 2012 a SBM Offshore pagou 42 milhões de dólares em propinas a executivos da estatal. O valor correspondia a 3% dos contratos.
A operação foi comandada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. No total, 13 suspeitos foram denunciados, sete estrangeiros. Entre eles, o norte-americano Robert Zubiat, um dos vice-presidentes da SBM. Os procuradores solicitaram que o nome de Zubiat seja incluído no alerta vermelho da Interpol.
O ex-diretor da área Internacional Nestor Cerveró havia afirmado que Delcídio do Amaral recebera 10 milhões de dólares entre 1999 e 2001 da multinacional francesa Alstom, quando ocupava o posto de diretor da área de Óleo e Gás da Petrobras. A propina foi paga em troca de contratos de turbinas de uma termoelétrica no Rio de Janeiro.
A Catilinária foi um duro golpe nas manobras de Cunha. E enfraquece sua posição no Congresso. Na quinta-feira 17, após muito se esquivar, o deputado recebeu a notificação contra ele no Conselho de Ética. O início de 2016 não será nada bom para o peemedebista. E seu poder de chantagem está cada dia mais limitado.
Fonte: Carta Capital
Você pode gostar
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
0 comentários