O cadáver nunca sorriu tanto

O ano era 2003. Ainda que tenha escolhido fazer administração, o sentimento de ser um profissional de marketing e, por conseguinte, futuro responsável pela comunicação e estratégia de uma empresa, era grande. Entre as palestras que a ESPM promoveu naquele que seria meu primeiro ano de graduação estava Oliviero Toscani, executivo da rede de lojas Bennetton e autor de um livro chamado “A publicidade é um cadáver que sorri” – à época lançamento e de nome tão bizarro e polêmico quanto as peças que desenvolveu e deram notoriedade global para a marca italiana.

Quase uma década e meia se passou e acho que a frase – que na época foi justificada como uma forma de chocar as pessoas como ferramenta para atrair a atenção e justificar o DNA de um projeto como a da grife – nunca fez tanto sentido para a profissão de marketing e seu espectro de profissionais. Só nas últimas semanas, recordando rapidamente enquanto escrevo este texto, lembro:

– O rating dos grandes grupos publicitários ser rebaixado pelas empresas de risco, pautadas na falta de reinvenção do mercado frente aos novos perfis de consumo, tanto de mídia quanto de marcas, seus produtos e serviços.

– A saída ou redução da atividade destes mesmos conglomerados em Cannes, outrora a Meca e trend-setter de todo o setor.

– Reclamações seguidas dos profissionais sobre o alto grau de exigência para entrar e perpetuar-se na área, por remunerações mínimas de empregadores.

– A já eterna discussão da disputa agência x consultoria pela cada vez mais apertada verba de publicidade e marketing das marcas.

Cada item destes valeria um artigo como este. Mas se tem algo que aprendi neste últimos tempos é que discutir passado e presente é burrice; dignosticar o presente e se preparar para um futuro é a única solução quando a onda é maior do que a sua prancha suporta. Me cansei, confesso, dos textos que diagnosticam o óbvio e propõem soluções fáceis e rápidas para tudo – sempre com um “mundo mais rápido e digital” no meio, como o molho especial do Big Mac.

Mas… Vejam que beleza: é do caos que geralmente surge uma nova ordem, de onde geralmente não se enxerga nada antes. O capitalismo vive ciclos de implosão e explosão, onde ativos se compactam e fragmentam gerando novos negócios e riqueza em novas dimensões – sim, a natureza explica exatamente o que estamos passando enquanto “classe trabalhora” (Lula, obrigado pelo termo).

Eu não sei sinceramente o que vocês estão fazendo para compreender e se movimentar neste cenário digno daquela música de Raul Seixas, “Eu também vou reclamar”. Mas posso contar um pouco do que estou fazendo frente aos tópicos citados acima:

– Estou reduzindo a exposição do formato tradicional de remuneração por fee – até porque como consultor, não tenho a mídia como doce para adoçar minha boca, outrora 30kg mais aberta (sim, emagreci tudo isso). Está mais difícil disputar verba de clientes? Compre o risco com ele, traga resultado e talvez a remuneração seja maior que o BV.

– Estou muito mais atento ao Vale do Silício do que a Madison Avenue. Vocês têm alguma dúvida que entre uma agência ou consultoria, quem vai vencer a disputa será uma startup?

– Se a criação foi epicentro da era Mad Men, e a mídia é a varinha de condão do fim do século, o coração da comunicação está na estratégia e construção de marca. Vivemos a era da guerrilha, que o diga o Anonymous e o Estado Islâmico, mais efetivos que o Trump.

Se o cadáver nunca sorriu tanto, é assim que estou lutando para ser protagonista do Walking Dead da vida real.

* João Gabriel Chebante é fundador da Chebante Brand Strategy

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